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"Crenças e Desavenças" - Editora Baraúna
"Qual será o Sabor da crônica?" - Editora Baraúna
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domingo, 24 de julho de 2011

A CÍCERA Iª PARTE


Foi lá no sertão do Ceará, numa propriedade rural bem afastada de qualquer cidade...

 Estava em Fortaleza à trabalho, com o Ovídio, que era cearense mas, da capital. Nossa missão foi bem demorada e levou mais de mês para chegarmos à conclusão. Por lá ficamos, curtindo, nas horas vagas, as praias e bares da capital nordestina que tem as brisas marítimas mais refrescantes do Brasil.

 A mãe dele, Dona Cundinha (Jucunda) era muito simples e um amor de criatura. Não permitiu que eu ficasse no hotel e, então, fiquei hospedado na casa deles, num bairro chamado Aldeota. Gente, cada comida gostosa! Fartei-me de camarões, coisa que eu mais adoro...

Num dos finais de semana, a família preparou-se para visitar uma irmã de Dona Cundinha que morava a uns duzentos quilometros de Fortaleza, em pleno sertão cearense. Não me lembro o nome da região mas, não ficava muito longe de Quixeramobim.

 Ovídio ainda me avisou: _ Olha, João, você pode ficar aqui, se quiser. Faz muitos anos que não vejo a tia Ciça (Cícera), mais tio Jerônio (Jerônimoe eu tenho que ir mas, você não vai gostar de lá. O sítio deles é um lugar muito feio, não tem água, luz elétrica, telefone, nem nada... é um ermo só!

 Daí é que eu fui mesmo! Sou ligado nessas coisas de primitivismo e simplicidade. Mas não esperava que o pedaço fosse tão desolado assim: caatingueiras, mandacarus e xiques-xiques pra todo lado.

  A casa até que era grande mas, não rebocada. Tinha um cercado no fundo, cheio de cabras e as galinhas viviam soltas, ciscando e comendo o que achavam. De plantação, só uma roça de milho, bem grande, com as espigas já no ponto de serem apanhadas.
Um pouco mais afastado da casa, ficava um enorme cajueiro, com grossos galhos que quase se arrastavam no chão. Ao lado do cajueiro, um pequeno açude de água não muito limpa.

 Na hora do almoço, enquanto saboreávamos um franguinho caipira, durinho... durinho, com pirão e farofa caroçuda, o sertanejo contou-nos que tinham vendido um cavalo para um conhecido que morava meio distante.
O comprador ficou de pagar daí a duas semanas mas, já passado um mês, o fulano não tinha dado nem sinal de vida.


 As mulheres por ali são porreta e Dona Cícera resolveu ir até lá para cobrar o cabra. " Já que o froxo do Jerônio não toma a iniciativa, eu vou e juro que só volto com todo o dinheiro na mão".
Combinou com o marido de se comunicarem através do rádio do bar, pois que não existia telefone por lá.


 Quase no final da tarde, seu Jerônimo dirigiu-se até um boteco na beira da estrada, onde as pessoas utilizavam-se do único rádio existente. Daí a pouco, com abodega lotada de machos, começou o chiado do rádio com a voz de Cícera:

 _ Jerônio, ocê taí? Óia... aqui fala a Ciça! Sabe... o negócio do cavalo entrou só a metade. Acho que vô esperá até manhã, pra vê se entra o resto. Ocê dêxa?
A cobertura de zinco quase veio abaixo com as risadas e precisaram segurar o nosso amigo, já que queria furar todo mundo com a peixeira.

Voltando à farofa caroçuda, posso dizer que a minha dá de dez a zero e serve para acompanhar tanto o frango como pernil ou peru. Presta atenção:

  FAROFA DE MILHO: 
Quando fizer um frango refogado, separe umas duas conchas do molho do frango. Numa panela grossa, frite na manteiga, 3 dentes de alho, meia cebola batidinha, 1 paio, 1 linguiça portuguesa (é melhor que a calabresa), e bacon: todos cortados em cubinhos pequenos. 
Junte o molho do frango, 1 tomate grande picado, 1 colher de vinagre, algumas azeitonas, pimenta a gosto e mais uma cebola cortada ao comprido. 
Quando começar a ferver, abaixe o fogo ao mínimo e vá acrescentando farinha de milho aos poucos e mexendo sempre para não pegar no fundo (levante um pouco a panela). 
Se ficar muito seca, acrescente azeite. Retire a panela do fogo, experimente o sal, junte dois ovos cozidos cortados e cheiro verde. 

Se não tiver o molho de frango, acrescente, antes da farinha, dois tabletes de caldo de galinha dissolvidos em um pouco de água quente.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

"MADAME ZOHRA"

 Minha sogra, quando morou em Paracatu/MG, abriu um restaurante num grande posto de gasolina da saída da cidade. Lembro-me que o fogão era enorme, com oito bocas e ficava no centro da cozinha. Além do restaurante ela alugava alguns quartos, contíguos ao posto, para os inúmeros viajantes que por ali passavam, rumo à Brasília, Goiânia ou Unaí. 
Era uma vida muito dura, ganhava um bom dinheiro mas levava bastante calotes, também.

 Eu, que morava em Brasília, distante uns 200 km, adorava passar os finais de semana na casa dela; uma casa antiga dos tempos coloniais. Aliás, a cidade toda é um verdadeiro museu a céu aberto com casario e igrejas dos áureos tempos da mineração. Gostávamos de ir até as margens do rio Paracatu e seus pequenos afluentes para bater peneiras ou bateias.

 Nosso intento não era pegar peixes e sim tentar “garimpar” pó de ouro, metal ali abundante nos século XVIII e XIX,  tempos de Ana Jacinta de São José, a famosa Dona Beija, sua mais ilustre moradora. Ainda guardo um pequeno frasco cheio do valioso pozinho dourado, fruto de nossas aventuras garimpeiras.

Minha sogra resolveu fechar o restaurante após ter levado calote de um cearense muito alegre e falante que “levou a velha no bico” e por ali ficou por mais de um mês, comendo, bebendo e dormindo. Fugiu sem pagar a conta, deixando umas sacolas no quarto onde dormia e quando minha sogra foi “confiscar seus bens”, só encontrou duas redes velhas e várias bermudas e camisetas sujas.

 Passou a fazer bolos doces e salgadinhos para festas, pois não queria sair da cidade e muito menos morar conosco em Brasília. A bem da verdade, eu dava graças a Deus pois sempre fui partidário daquela máxima que ensina: “a sogra não deve morar tão longe a ponto de vir com malas e nem tão perto a ponto de vir só de chinelos...”

 Para complementar sua renda, passou a ler sorte e eu fui o causador dessa transmutação da excelente cozinheira que era para uma esperta “Buena Dicha”...Ela era descendente de espanhóis, da Catalunha, e sua sala era lotada de objetos  relacionados à Espanha: touros, castanholas, dançarinas de flamenco, leques e quadros de toureiros.

 Olhando tudo aquilo, certo dia, tive a brilhante idéia: “Cybelle; já que você está nesse aperto danado, porque não começa a ler sorte. É só arrumar um baralho de tarô, decorar o significado das figuras e fazer cenas de mistério”. Ela adotou a idéia na hora, lembrando-se de que sua avó, Assunción Mariño, sabia ler as cartas.

 Comprei-lhe os apetrechos, inclusive um livro que ensinava os segredos da quiromancia. Em poucos dias ela estava “afinada”na leitura das mãos e no tarô. No início, anotava nas costas das cartas a primeira letra dos presságios: Nas costas do valete de copas ela escrevia “A” de amor ou amante apaixonado. Na dama de espadilha, era a letra “R” de rival; no reis de ouro era o $, de marido rico; no reis de espada, o “V” de vingança ou marido ciumento e assim por diante.

Resultado disso tudo foi que durante anos, com o pseudônimo de Madame Zohra, ela ganhou seu dinheiro na maciota e foi uma cartomante de sucesso até o fim da vida. Criou e manteve os sonhos de muita gente e falando em sonhos, vou transcrever uma receita dela que é  uma doçura:

 SONHOS DA CYBELLE:  2 colheres (sopa) de margarina ou manteiga; 2 colheres cheias de fermento (ou 3 tabletes); 20 colheres de açúcar; 2 ovos inteiros; 1 copo de leite morno; 1 pitada de sal e farinha que dê para amassar. Enrolar os sonhos e cobrir com um pano grosso, para crescer. Ponha uma bolinha da massa em um copo com água:quando subir, pode fritar os sonhos em óleo nao muito quente. 
Espalhar açúcar por cima e rechear com geléia ou com CREMINHO DE MAIZENA (meia lata de leite condensado, meia lata de leite comum; meia lata de creme de leite 1 gema e 1 colher de maizena, levar ao fogo até engrossar).