A bem da verdade, quando iniciei a crônica anterior, ia falar sobre outra coisa mas acabei por enroscar-me na "mala de pau" e por ali fiquei. Senão, vejamos, pois...
Minha mãe era uma portuguesa alta. Media um centímetro a mais que meu pai e calçavam o mesmo número. Ela nem gostava de usar salto alto para "não humilhar seu adorado italianinho".
Impunha respeito até ao marido que vivia bravo e esbravejante com todo mundo. Porém, bastava uma palavra mais firme dela para que o velho "enfiasse a viola no saco" e ruminasse, sozinho, a sua irascibilidade. Às vezes, chegava até a se desculpar com ela, coisa que jamais fez conosco, senão depois de velho.
Ela gostava muito de usar tamancos de madeira, um calçado aberto, de couro forte e planta de pau. Era um pouco diferente das tamancas portuguesas, pois que eram mais baixos e as entradas mais largas. A gente levava cada pisa com aqueles danados!! Mas era gostoso de escutar o cláp... clóp da sola de madeira pisando nos tacos e ladrilhos lá de casa. Quando ela estava mais nervosa ou agitada, aquilo estalava mais que matraca de semana santa e dai o som transformava-se em cláp...clép...clóp.
Perto de nossa casa existia um cortiço, com casebres centenários, conhecido como "Coloninha". Alguns diziam que os negros foram alojados naquelas casinhas. após a abolição da escravatura e outros afirmavam que o casario era parte da antiga colônia da Fazenda Conrado, ali existente, antes do loteamento para o bairro. Na habitação mais estropiada, morava a familia "cata bosta".
Eles sobreviviam com a ajuda dos vizinhos e com os parcos recursos conseguidos na venda de esterco de animais. Naquele tempo, era comum a passagem de boiadas por nossas ruas de terra e quando isso acontecia, a gente corria a fechar portas e portões para que as vacas não invadissem nossos quintais. Nem bem passava a boiada e lá estavam os "cata bosta" recolhendo o estrume. O filho carregava uma ou duas latas grandes e a mãe, com uma pá, raspava os montes, ainda quentes jogando-os nas latas.
A Dona Antônia cata bosta, miudinha e bem judiada, era viúva e vivia apanhando do filho único, o Osvaldo cata bosta. A velhinha tinha até uma cicatriz na testa, resultado de uma pancada que o filho lhe dera, com uma frigideira quente e cheia de couve. O Várdo, já cansado de comer, todo o dia, a mesma verdura, pegou a vasilha de ferro e socou na cabeça da mãe, gritando: _ Essa fia da futa de mãe só fáiz côve! (ele era fanhoso e trocava o p pelo f )
Mas, a respeito dos tamancos; numa daquelas tardes de sábados em que íamos, todos limpinhos e contentes, com minha mãe, ao "Salão da Margarida", aconteceu um fato que acabou com nosso passeio e foi assim que ocorreu:
Na esquina de baixo, o Várdo estava sentado na soleira de um bar, bêbado que nem gambá e quando nos viu aproximando, abordou minha mãe, com uma certa insolência: _ Ô, Dona Alzira! A senhora fode me enfrestar um dinheirinho frá eu comprar uma finga? Mamãe costumava levar o dinheiro escondido nos soutiens, com medo de perdê-lo e abanando as mãos para mostrar que não tinha carteira, disse: _Não tenho dinheiro para bêbados!
O cara, lançando um olhar malicioso nos seios de minha mãe, completou: _Eu sei que a senhora esconde a grana nesse feito gostoso!
Prá quê!! Levou o pau do tamanco na testa que lhe abriu um corte, do alto da cabeça até ao olho. Mamãe ficou tão nervosa que voltou conosco para casa.
Naquele dia, mais uma vez, ela ficou sem fazer permanente nos cabelos e nós, crianças, sem os sanduíches de pão doce com mortadela e os deliciosos rocamboles de goiabada que ela costumava comprar, na padaria de Dona Maximina, encostada ao salão da cabeleireira.
E vai aí a receita...
ROCAMBOLE: 4 ovos; 2 xícaras de açúcar; 2 xícaras de farinha de trigo; 1 xícara (mal cheia) de água; 1 colher (sobremesa) de pó royal. Bater as claras em neve, depois o açúcar (aos poucos), as gemas (uma por uma), a farinha, a água e o pó royal. Assar em forma retangular (20cm por 30cm) em temperatura média, por mais ou menos 25 minutos. Deixar esfriar uns 10 minutos e desenformar por cima de um pano de prato umedecido e polvilhado com açúcar. Rechear com goiabada ou com leite condensado cozido e coco ralado. Enrolar cuidadosamente, com a ajuda do pano de prato. Salpicar com açúcar ou fazer qualquer outra cobertura.