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"Crenças e Desavenças" - Editora Baraúna
"Qual será o Sabor da crônica?" - Editora Baraúna
Cada título contém 40 crônicas e pequenos contos de pura alegria com o mesmo número de receitas "que dão certo". Pedidos através:
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sexta-feira, 23 de julho de 2010

TRÊS MULHERES DE MINHA INFÂNCIA

Naquele tempo, as crianças entravam para a escola somente após completarem 7 anos. Não existia maternal, prezinho e nem jardim da infância. Era direto para a primeira série e para a Cartilha Sodré, livro de alfabetização muito famoso, à época.

A pata nada, pa-ta-pá, na-da, ná; O dado é da Dadá, da-do, dá; A macaca é má, ma-ca-ca, cá...

A autora dessa obra chamava-se Benedicta Stahl Sodré mas eu sempre pensei que fosse o Abreu Sodré, famoso deputado e governador de São Paulo, da antiga UDN/ARENA...

Dona Elza Zogbi foi minha primeira professorinha, doce de criatura! Ela morava no centro da cidade, numa residência estilo mourisco que hoje percebo, não era tão grande assim. Mas para o menino da época, era um palacete. Pelo meu bom comportamento fui convidado para conhecer sua casa e compartilhar de seu chá da tarde. Mamãe vestiu-me com o terninho branco de linho da primeira comunhão, gravatinha borboleta e "brilhantina glostora" no cabelo (Meu Deus!).

Lá pelas 5 horas da tarde descia eu, sozinho, a rua "do feijão queimado" (por ali passavam todos os enterros e as donas de casa, a pretexto de assistirem à passagem fúnebre, deixavam queimar as panelas).

Havia chovido e pouco antes de chegar à Avenida, escorreguei na calçada de terra e cai sentado numa poça d`água. Fiquei com as mãos enlameadas e a bunda suja de barro. Sem saber o que fazer, começei a chorar (como era fácil chorar!). Não poderia me apresentar assim no chá de D. Elza e se voltasse pra casa, meus amigos que certamente estariam todos na rua àquela hora, iriam gozar de mim, vestido de anjo, sujo e chorando. Desci a Rua Olaia e fui direto para a casa de minha avó Vitta, nos consfins da Rua Riachuelo e quando lá cheguei, a chuva começou novamente.

Menti para minha avó que minha mãe sabia que eu estava na casa dela e à noite viriam buscar-me. A velhinha acreditou e fez para mim chá de erva cidreira com limão e fritou seus deliciosos "bolinhos de chuva com bananas" A chuva apertou e tranformou-se em "toró" com o cair da noite. Fiquei com medo, pois a casa de meus avós era encostada a um córrego e quando dava enchente, a casa ficava inundada. Desandei a chorar, apavorado pela chuva e também pela mentira. Tanto que acabei por adormecer.

Minha "nonna" ajeitou-me no velho bercinho que serviu a todos os seus 11 filhos (inclusive a meu pai) e ficou aguardado meus pais chegarem. E eles chegaram... Furiosos quando me viram, pois já haviam rodado as casas de todos os parentes, inclusive da professorinha, à minha procura. Meu pai Paschoal arrancou-me do berço e quis bater em mim, alí mesmo, mas o "nonno Beponne" não deixou: "Lascia il bambino, Pascuale! Poverino, stà a dormire!"

Mas que nada, levou-me debaixo de chuva mesmo e enfiou-me na Chevrolet 54, ruminando "juras de vingança". Chegando em casa, enquanto meu pai guardava o veículo e fechava o portão, mamãe, apavorada, enfiou-me na cama, cobriu-me com vários travesseiros e jogou por cima um cobertor bem grosso (ainda bem que estava muito frio naquela noite), recomendando: "Cubra a cabeça e grita feito um cabrito toda vez que ele der as pancadas".

O velho entrou espumando, com o relho de "rabo-de-tatu" na mão (era uma espécie de chicote de bater em animais) e iniciou a pancadaria. A raiva era tanta que nem percebeu o subterfúgio armado pela extremosa mãezinha. Salvo uma ou outra fisgada nas orelhas, saí-me ileso mas o susto foi tão grande que acordei de manhã com febre de 40º e como "prêmio", não pude ir à escola por uns três dias.

Nunca mais vesti o maldito terninho de linho mas os bolinhos de chuva de minha avó, eu faço até hoje e copiem aí pois é muito fácil a receita:

BOLINHOS DE CHUVA COM BANANAS: 3 ovos inteiros; 3 colheres (sopa) de açúcar; 1 pitada de sal (1/2 colherinha de café); 1 copo de leite (mais ou menos); 1 colher (chá) de pó royal); 3 bananas bem maduras em rodelas e farinha de trigo até o ponto de pegar com a colher e pingar na gordura quente (ajudando a empurrar com os dedos). Fritar e escorrer. Se preferir, troque as bananas por pedacinhos finos de goiabada.

Salpicar bastante açúcar e canela. Espere chover e sirva com chá ou café

sexta-feira, 16 de julho de 2010

AS COMADRES

As comadres Gilda e Laura (minha tia) eram íntimas amigas e vizinhas de muitos anos. Eram tão amigas que quando foi inaugurada a segunda etapa do cemitério local, resolveram comprar túmulos vizinhos. Três: um para a Gilda, outro para a Tia Laura e o terceiro para o Tio Joaquim. Mandaram construir uma espécie de altarzinho (com local para fotografias) nas cabeceiras dos túmulos, encimados por um cruz.

Mas, como não há mal que sempre dure e nem bem que não se acabe", certo dia essa forte amizade acabou-se e de forma trágica. Surgiu, não me lembro como, na casa de meus tios, um novo morador chamado de Toniquinho. Parece-me que era um conhecido antigo que ficou sozinho na vida e sem ter onde morar, foi acolhido pelo meu tio e adotado pela família. Era muito educado, fino mesmo e nem tão velho assim...

Para compensar a boa acolhida, ele fazia de tudo na casa, inclusive ajudava minha tia a arrematar as roupas; cerzia os bolsos nas camisas, pregava os botões e caseava (fazia aqueles buracos de enfiar os botões). Tanta eficiência acabou por despertar ciúmes na comadre Gilda que começou, maldosamente a espalhar no bairro que sua comadre e Toniquinho eram amantes...

Tamanha "fofoca" girou rápido e logo chegou aos ouvidos de minha tia. Prá quê!! De repente, aquela santa mulher virou uma "serial Killer" e armada de uma enorme foice foi tirar satisfações com a vizinha. Gilda estava na janela, aliás, parecia-me que ela nunca tinha nada para fazer pois, se não estava na casa dos outros, ficava de braços cruzados na janela.

Minha tia, da calçada, riscava o corte da foice no cimento até soltar faíscas e chamava a outra para fora: "Vem cá, sua vaca, eu vou cortar tua língua! Saia aqui fora se for mulher." A Gilda de lá respondia: "Vaca és tu... Vaca de dois touros! Tia Laura azulou, pulou o muro disposta à carnificina. A mulher fechou a janela apressadamente mas minha tia estraçalhou a madeira com a foice.

Enquanto tentava pular a janela, meu tio e mais alguns vizinhos tentaram segurá-la mas ficaram com as saias nas mãos. Tia Laura entrou e lá de dentro só se ouviam gritos desesperados. Quando conseguiram conter minha tia, encontraram a Gilda esparramada no chão, deitando sangue pela rosto. Fora atingida com o cabo da foice, num golpe tão forte que abriu-lhe um "rombo" na testa.

Chamaram a perua do SAMDU (ambulância da época) e levaram a Gilda que voltou mais tarde com um vários pontos e um curativo enorme na testa. As duas nunca mais se falaram.

Morreu minha tia, morreu o Toniquinho e alguns anos mais tarde, foi-se também o meu tio Joaquim. A Gilda sobreviveu, ainda, por mais de trinta anos e morreu daquela maneira que eu relatei na crônica abaixo. Fui ao seu enterro e o que me chamou a atenção, além do episódio do velório, foi o fato de que seu túmulo fora transformado: O altarzinho saiu da cabeceira do túmulo e foi reconstruído nos pés, de costas para as fotos de seus antigos desafetos.

Como receita de hoje, em homenagem às sopas que minha tia fazia para "seus velhos" vou passar a:

SOPA DOURADA (DE ABÓBORA) : 2 kg de abóbora madura e picadas; 2 cubos de caldo de galinha; 1 peito de frango; 2 colheres (sopa) de margarina; 1 cebola picada; 1 lata de creme de leite (sem o soro); folhas de couve rasgadas. Cozinhe o peito de frango em 1 litro de água e 2 tabletes de caldo de galinha. Desfie, grosseiramente, o peito e reserve. Na água do caldo, cozinhe os pedaços de abóbora (10 minutos na panela de pressão). Bata a abóbora no liquidificador com um pouco do caldo e volte ao fogo. À parte, refogue o frango desfiado com 2 colheres (sopa) de margarina e a cebola batidinha. Junte o refogado de frango ao caldo de abóbora. Rasgue algumas folhas de couve e misture na sopa. Acrescente mais sal, se necessário e quando a couve estiver cozida, acrescente o creme de leite. Misture levemente e sirva com torradas ou queijo ralado. É divina!!!


domingo, 11 de julho de 2010

A MORTE DE GILDA

A Gilda morreu por volta das 3 horas da manhã de um domingo. Havia dançado a noite inteira no forró da velha guarda e, à pé, subiu o morro do São Lázaro até chegar a sua casa. Não teve tempo nem de remover a pesada maquilagem ou de tirar o vestido de soirée.

A Zilda, por sua vez, morreu por volta das 7:30 da manhã daquele mesmo domingo. Havia rezado bastante na missa das seis e, à pé, subiu o morro do Perpétuo Socorro até chegar a sua casa. Não teve tempo nem de lavar a louça do café ou de tirar o discreto vestido de "ver Deus".


Gilda casou-se muito jovem, levada pelo "furor uterino" que sempre a acompanhou, desde a menarca (lembram-se dessa palavra?). Após o nascimento de seu quarto filho, o marido faleceu, eletrocutado em cima de um poste, pois que trabalhava na "Cia. de Força e Luz". Nunca mais arrumou outro marido mas teve vários amantes até a sua morte, aos 82 anos.

O último deles,o Dodô Goiaba (vendia goibas na rua, com um carrinho de pedreiro) era um pouco mais novo e alcoólatra, batia nela e ainda torrava toda a pensão que a mulher recebia do finado marido. Os filhos viviam brigando com a mãe e enxotavam o velho safado da casa deles. Tanto fizeram que Gilda largou tudo e foi morar com o amante numa casinha de dois cômodos.

"Faço de tudo mas não vivo sem homem" dizia ela.

A Zilda, por sua vez, demorou muito para se casar; seu desejo era ser freira, porém, lá pelos 25, cedeu à insistência de seu Jacinto, viúvo com três filhas e dono de um pequeno açougue. Tiveram mais quatro filhas e ela deu um duro danado na vida para criar as 7 meninas, cuidar da casa e ainda ajudar o marido no açougue.

Pior ficou quando "seu" Jacinto morreu com uma chifrada de boi que lhe furou o pâncreas.
Ela resolveu tocar o açougue sozinha e assim, levantando todo dia às três da matina, destrinchando bois, enchendo linguiças e fazendo torresmos ela conseguiu criar as filhas até o ponto em que elas conseguiram ajudá-la também.

Bom, mas as duas senhoras morreram no mesmo dia e foram vizinhas de velório.

Na sala onde estava o esquife de Gilda, tudo era gritaria e choro exagerado. Só se ouvia imprecações contra Deus e discussões entre os 4 filhos e netos, os quais quase derrubaram o caixão em demonstrações exageradas de desespero.

Na sala onde estava o esquife de Zilda, tudo era silêncio e respeito. Apenas se ouvia de vez em quanfo um murmurejar de orações, um suspiro ou choro calmo de alguma das 7 filhas e netos, os quais não desgrudaram do caixão.

De repente, irrompe na sala de Zilda o velho Dodô Goiaba, tão bêbado que nem percebeu que entrara no velório errado. Abraçou o caixão de Zilda desandou a gritar: "Gilda, meu amor! O quê aconteceu com você, minha velha?! Ainda ontem nós dançamos prá burro e agora tá aí, branca como um bicho de pau-podre!" As filhas da santa defunta ficaram pasmas, quase que sem ação. A mais velha recuperou-se mais rapidamente e disse, de uma forma educada, ao bebum: "Meu senhor, essa defunta é a Zilda,minha mãe, o velório da Dona Gilda é na sala ao lado."

O Dodô, num olhar estrábico-etílico contestou, babando: "Como não é a Gilda? Se fui amigado dela por cinco anos não vou reconhecer?! É ela sim; só falta o batom de puta. Passa batom nela prá ver se melhora essa cara de coruja." A platéia ficou silente (gosto desta palavra) até que um dos parentes conseguiu colocar o Dodô prá fora.

Entrou na outra sala e recomeçou: "Ahá, te achei, sem vergonha! Queria ser enterrada sem me ver, né?" E deu corda à falsa cantilena de desespero até que um dos filhos da Gilda deu um sopapo no homem, vociferando: " Que você veio fazer aqui, seu safado? Já não chega o tanto que explorou minha mãe?!"

O velho pensou um pouco e arrematou: "Olha aqui... eu não gostava dela mesmo e vocês vão todos tomar no c. E... ó, vejam se enterram logo essa velha nojenta que ela morreu sem tomar banho!." Deu as costas e saiu cambetiando, não sem antes levar um pontapé na bunda.

Essa eu assistí e posso confirmar! E a receita de hoje, foi-me dada pela Gilda, num churrasco que fizemos em Passos/MG. É uma farofa super prática e saborosa:

FAROFA FRIA DA GILDA: Misture 2 copos de farinha de mandioca crua; 2 copos de farinha de milho; 1/2 copo de óleo ou azeite; 1/2 copo de limão tahiti; sal e pimenta do reino a gosto. Esfregue com as mãos, até as farinhas ficarem uniformemente misturadas e acrescente: 2 dentes de alho amassados e picados; 1 cebola bem picadinha; azeitonas, tomates e ovos cozidos picados; cheiro verde picado. Não mexer muito.