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"Crenças e Desavenças" - Editora Baraúna
"Qual será o Sabor da crônica?" - Editora Baraúna
Cada título contém 40 crônicas e pequenos contos de pura alegria com o mesmo número de receitas "que dão certo". Pedidos através:
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sábado, 23 de abril de 2011

A PÁSCOA DO POLACO

 Lá em casa, a Páscoa era a data mais festejada do ano. Além da ressurreição de Cristo, também comemorávamos o aniversário de meu pai. Ele nascera em 1916, num longínquo domingo de Páscoa e por isso, recebeu o nome de Paschoal. Não importava em qual dia do mês de março, desde que fosse no domingo da Páscoa, os amigos e familiares apareciam para o almoço festivo, aquela coisa de italianos, com mesa farta, muito vinho e assados de todo tipo.

 Meu pai tinha um amigo, grandão e branco como um porco landrace. Não sei qual a nacionalidade dele mas era conhecido por Adolpho polaco e morava em um sítio onde não havia luz elétrica e nem banheiros, cuidando de seus rebanhos de cabras e carneiros.

Certa vez, aconteceu um acidente tragicômico com o homem que culminou com sua ida ao hospital e virou piada na cidade: Devido à sujeira e falta de higiene em que vivia, ele ficou infestado de piolhos e no intuito de matar os parasitas, esfregou querozene em todos os pelos do corpo, tanto nas partes púdicas como nas impúdicas.

 Durante a noite, com uma lamparina acesa, tentou verificar se os piolhos haviam morrido mas ao aproximar demais o pavio de suas virilhas o fogo passou para seu corpo, chamuscando tudo quanto tinha de pelos e penugens. Ficou vários dias de quarentena com as pernas abertas, penduradas e cobertas apenas com um fino lençol.

 Meses depois, na Páscoa, meu pai convidou o amigo para almoçar lá em casa. Quando chegamos da missa, desde a rua já sentimos o aroma delicioso da leitoa à pururuca que só minha mãe sabia fazer. A mesa estava posta e o Adolpho polaco, já meio zonzo pelos canecos de vinho que meu pai servia, falava alto e gesticulava a todo vapor.

Nossa casa era assobradada e no canto da cozinha tinha um pequeno cano de metal por onde escoava a água em dias de faxina. Fomos, eu e meus irmão, pelo quintal e utilizando-nos do cano como um gramofone, gritamos a plenos pulmões: "Adolpho polaco, botou fogo no saco... Adolpho polaco, botou fogo no saco..."

O homem virou uma fera e não sabendo de onde provinha a zombaria, saiu pela rua, esbravejando e procurando os autores da desfeita.

 Minha mãe, esperta, descobriu logo e sem que a visita desconfiasse, trancou-nos, de castigo, na despensa dos fundos. Resultado: enquanto o chamuscado refestelou-se com a leitoa, nós ficamos em jejum até à noite quando nos foi permitido provar de uma sopinha de fubá bem chinfrim.

Desde então, lembro-me dessas passagens de minha infância toda as vezes em que faço uma leitoa assada. 

 LEITOA À PURURUCA: a leitoa não deve ser grande e nem muito gorda (uns 7 a 8 quilos) e temperada de véspera, da seguinte maneira: perfure a carne em vários pontos (sem cortar a pele), esfregue sal, pimenta-do-reino e alho espremido por toda a leitoa, principalmente nas partes do couro. No liquidificador, bata uma vinha d'alhos com duas cebolas grandes uma cabeça inteira de alho, uns raminhos de alecrim, 3 folhas de louro (ou louro em pó), 5 colheres de molho inglês, 1 copo de água, 1 copo de vinho seco (branco ou tinto), azeite de oliva e pimenta a gosto. Em uma vasilha larga e rasa (não pode ser de alumínio) coloque a leitoa com o couro para cima (a pele não pode ficar molhada) e deixe tomar tempero. No dia seguinte, leve-a para assar em forno alto e pré-aquecido. Não é necessário cobrí-la, desligue o forno somente quando a pele ficar com uma cor de caramelo escuro e crocante. Sirva com limão, farofa (receita do dia 13 de junho), arroz branco, tutu de feijão e couve refogada. O segredo é não deixar a pele da leitoa em contado com a vinha d'alhos.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

CHEIRO "ÓBSCENO NO AIRE"

 Semana que vem o País todo ficará impregnado pelo afrodisíaco aroma do bacalhau. Apesar dos preços proibitivos, em quase todo lar brasileiro o peixe estará presente à mesa.
Houve um tempo, porém, em que o bacalhau era muito, muito barato. Havia até um dito popular que dizia: "Para quem é, bacalhau basta!", uma forma de depreciar alguém.


 Nos "empórios" ou "Vendas", espécies de supermercados d'outrora,  vendia-se de tudo um pouco: farinha, arroz, fumo, querozene, mortadela, pinga, peneiras, jacás, panelas, botinas, sardinhas, bacalhau, etc...etc...) e as mantas de bacalhau ficavam penduradas,aos montes, sobre o balcão ou do lado de fora das portas dos empórios.


 Minha mãe costumava contar às suas comadres a centenária piadinha do ceguinho que ao passar defronte a um empório, sentindo o cheirinho do bacalhau, educadamente, levantava seu chapéu e cumprimentava: " Boa Tarde, minhas senhoras!"


Prá quem nao entendeu, vale explicar que nossas adoráveis avozinhas, imigrantes italianas, portuguesas ou espanholas não eram muito chegadas ao banho. Era uma vez por semana e olha lá! 


 Pois, pois... minha avó portuguesa, Adelaide, tinha um irmão - o Manoel Mendes de Oliveira - que trazia de Portugal caixas e mais caixas de bacalhau, sardinhas e tonéis de vinho. 


 No início, ele vinha uma vez por ano e depois, mais amiúde. A mulher dele, Maria Cardoso, ficava lá em Coimbra com os dois filhos adolescentes, enquanto ele aqui se esbaldava, vendendo suas mercadorias e se divertindo com as raparigas do bordel "Castelões", situado na rua Riachuelo.


 Numa dessas, ele apaixonou-se por uma mulata cujo apelido era "Rita do Cubatão" e montou casa para ela. Passou a estar mais tempo no Brasil e quando a amante ficou grávida, foi morar com ela numa casa de colonos na Fazenda Capituba ("Peituva", como ele dizia). Após o nascimento do "trigueirinho", ele voltou mais duas vezes para Portugal e depois não deu mais notícias para a família d'além mar.


 Passados dois ou três anos, Maria Cardoso com os dois filhos à tiracolo, aportou ao Brasil e munida do endereço de minha avó, veio dar com as caras em nossa cidade. Cientificada do paradeiro do marido, não teve dúvidas: com a ajuda dos filhos, deu uma surra na Rita e escorraçou-a da fazenda, juntamente com seu rebento. 


A familia, assim reunida, instalou-se numa casa no "Largo das Cabritas", perto da Igreja do Rosário e ali montou um empório de "secos e molhados". Enquanto ela e o marido ficavam no balcão, os filhos encarregavam-se de trazer mercadorias, de São Paulo e de Lisboa.


 Juntou uma boa grana, durante alguns anos de dura labuta, nunca se esquecendo da traição do português. Certo dia, limpando as burras do dinheiro aquinhoado com o comércio, partiu com os dois filhos para São Paulo, sem dizer adeus e nem sequer o endereço.


Nunca mais voltou e o coitado do Manoel acabou seus dias morando com uma tia minha, já que nem a mulata o quis mais, amigada que estava com um fazendeiro da cidade.


Desses parentes de minha mãe, nunca tivemos notícias, restando-nos apenas uma foto da robusta Maria Cardoso, ao lado de um de seus filhos.


Para quem não tem condições de comprar o bacalhau ou seja sovina demais, vai aí uma receita de um peixe de forno que fica até mais saborosa:


 Filés de Merluza (ou de Pescada) ao Forno:  1 Kg de filés, 1 Kg e meio de batatas, 6 tomates médios, 1 cebola grande picada, 1 copo de leite, azeitonas, louro, 1 colher (de sopa) de azeite de dendê,1 pacote de creme de cebola (em qualquer supermercado tem), azeite de oliva, nós moscada ralada, queijo parmezão ralado e 1 vidro de leite de coco.


Fritar a cebola, acrescentando os tomates e o louro. Refogar até desmanchar os tomates.


À parte, desmanchar o creme de cebola com o leite e o leite de coco, juntando à panela. Acrescentar o dendê, a pimenta, o cheiro verde e as azeitonas, mexendo até o creme dar a consistência. Por último acrescentar a nóz moscada ralada (1 colherinha de café bem rasa). Desligar o fogo e reservar.


Em uma forma ou pirex grande, dispor camada de fatias grossas de batatas, camada de peixe (temperado previamente com sal, limão e alho), camada do creme, camada de batatas e o restante do creme. Levar ao forno quente até cozinhar e secar um pouco a água que sempre surge.Espalhar queijo parmezão ralado por cima e levar novamente ao forno apenas para gratinar.

terça-feira, 5 de abril de 2011

A VIRGÍNIA

 O grande trauma da vida de Virgínia foi o de não poder usar papel higiênico durante toda a infância. O pai achava que era supérfluo e a família toda tinha que usar papel de embrulhar pão ou jornal, os quais ficavam pendurando em um fino arame ao lado do vaso sanitátio. Contou-me ela que saia do banheiro com a bunda manchada de tinta preta dos jornais vagabundos e como ela era bundudinha, às vezes com o decalque de manchetes inteiras dos jornais.


Cresceu, ficou moça e bonita... Passou num concurso federal e fez carreira como fiscal do governo, com ótima remuneração. Nunca se casou, aposentou-se relativamente jovem e sempre morou sozinha. Viajou e namorou muito, sabendo aproveitar os prazeres da vida. Seu apartamento era um primor em matéria de conforto e decoração e talvez, como reflexo de seu trauma de infância, comprava pacotes e mais pacotes de papel higiênico, todos coloridos e perfumados. 
  Se as toalhas de rosto e de banho eram azuis, o papel higiênico também era azulzinho; se salmão, o papel era cor de pêssego, ou verdinho, ou rosinha e assim por diante. Ela gostava de comer bem e frequentava todos os restaurantes da cidade variando, assim, os tipos de comidas e temperos. Ocorreu que, sem mais nem menos, ela começou a sentir pruridos anais, ou seja, coceiras no "fiofó". 
Ficou exasperada, a ponto de passar a visitar todas as cozinhas dos restaurantes para especular sobre os temperos que os cozinheiros usavam, pois achava que alí estaria a origem de seus problemas. Reparou também que quando ia à Sao Paulo ou à Campinas, na casa de seus irmãos, as coceiras sumiam.


 Num final de semana recebeu a visita de uma amiga e ambas foram almoçar em um restaurante de comida mineira, cuja especialidade era diferentes pratos suínos. À noite, sua amiga reclamou de coceiras no "fiofó" dela também e Virgínia deduziu: "Só pode ser a carne de porco". Noutro dia, foram jantar num restaurante macrobióticos mas, que nada! Na segunda-feira, ambas estavam esfoladas de tanto se coçarem.


  Seu irmão de São Paulo, clínico geral, receitou-lhe remédios para tudo quanto era protozoários flagelados ou "bichas" (oxiúris, Taenia, Áscaris, Giárdia,etc...) e nada! Ela chegou até a roer carvão pois um amigo, veterinário, disse-lhe que ajudava a limpar o aparelho digestivo.


  Seu irmão de Aguaí, protético/dentista, tinha uma secretária muito esperta que acabou dando o diagnóstico certo para minha amiga. Ouvindo as lamúrias de Virgínia para seu irmão, intrometeu-se na conversa e perguntou: "Dona Virgínia, de que cor é o papel higiênico que a senhora usa?" 


A princípio os dois ficaram admirados com a pergunta, mas Virgínia respondeu: " De todas as cores, tem verdinho, tem rosinha, tem azulzinho... todos perfumados!"
A moça foi categórica: "Tá aí a causa; a senhora é tão informada e não sabe que a ANVISA proibiu a comercialização desses papéis?! Ficou provado que provocam irritações e outros danos."


Resolvido o problema, minha amiga foi até ao supermercado, devolveu os diversos pacotes que ainda tinha e obrigou o gerente a recolher todo o estoque das prateleiras, sob pena de denúncia. Conseguiu, finalmente, deixar as unhas crescerem...


Bom, acho que vou ensinar algumas formas de se fazer rabos... de porcos! São bem mais higiênicos e saborosos do que os pastéis que vocês comem nas feiras ou os quibes das esquinas da vida.


RABO COM MANDIOCA: Cozinhe os pedaços de mandioca à parte, com água e sal, reserve. Numa travessa de vidro, tempere os rabos de porco (cortados nas juntas) com sal, limão, alhos espremido, cebola batidinha, azeite,  louro e pimenta à gosto. Numa panela de pressão, frite os pedaços em azeite e vá pingando água fervente, aos poucos até ficar bem amarelinhos. Acrescente 4 tomates picadinhos, 1 colher de extrato de tomate (aquela antiga, da latinha pequena) o resto do tempero que ficou na travessa e água fervente até cobrir os pedaços. Tampe a pressão e cozinhe por uns trinta minutos. Junte as mandiocas pré cozidas (pode ser mandioquinha salsa, também), um pouco de cheiro verde 1 cebola à juliana  e misture bem (tem que ter um pouco de caldo).  Sirva com arroz branco e couve picadinha, cozida.


RABO AO VINAGRETE: Cozinhe, na pressão, os rabos e pés de porco (peça ao açougueiro para cortar os cascos) em água, sal e folhas de louro, até ficarem bem macios. Escorra bem e tempere com vinagrete (cebola e tomates picadinhos, salsa, azeitonas picadas, azeite de oliva, vinagre e água e sal a gosto).


RABO NO FEIJÃO:  Corte os rabos pelas juntas e cozinhe-os com o feijão e 2 folhas de louro. Depois de cozido, tempere normalmente o feijão.
E CHEGA DE RABO!