Certa vez, passei temporada em um Hotel de Águas de São Pedro/SP, e a proprietária tornou-se minha amiga. Noemy já era coroa e vestia-se de uma forma bem característica, com longas saias de tecido indiano, muitos colares, pulseiras e sandálias de couro cru. Seus compridos cabelos já estavam começando a branquear e eram amarrados numa espécie de coque, propositalmente mal preso.
Apesar do aparente desleixo, ela era bem perfumada e de maneiras finíssimas. Tinha uma voz doce e melodiosa que encantava a todos. Gostava de organizar, pessoalmente, os entretenimentos para os hóspedes. Cantava, tocava banjo, promovia bailes, jogos e gincanas, principalmente para os grupos com mais idade.
Batíamos longos papos e um dia perguntei-lhe qual o era o segredo para manter tanta vitalidade e entusiamo. Afinal de contas, pensava eu, era viúva e enfrentara uma barra pesada, com duas filhas para criar, além da responsabilidade de manter um hotel.
Era lá pelas quatro horas da tarde, intervalo em que os hóspedes costumavam tirar uma soneca, para alisar as rugas e ela, então, resolveu contar-me sua história. Sentou-se num sofá do Hall, ajeitou os fios de cabelos que teimavam em escapar do coque e confidenciou-me: _ João, eu não sou viúva... Aliás, não sou viúva, nem casada e nem solteira. Há cerca de vinte anos, meu marido saiu para comprar um quilo de linguiças e não retornou até hoje!
Enquanto ela retirava os enormes brincos indianos das orelhas, pude observar os rasgos ocasionados pelo uso contínuo daqueles pesados balangandãs. Assim, distraído, perguntei-lhe: _ Mas, ele largou de você, foi isso?
Massageando, delicadamente, os lóbulos vermelhos, ela continuou:
_ Não sei te dizer! Era naqueles tempos da ditadura, de prisões e perseguições e um tio meu, que era militar, procurou por ele até nas dependências do DOI-CODI e... nada de encontrar o homem!. Às vezes penso que juntou-se à alguma seita religiosa ou esotérica e deve estar em algum lugar dos Andes, mastigando coca com as lhamas...
Querendo esticar conversa, eu voltei a perguntar: _ Mas, por que você pensa assim, ele era espiritualista, hippie?
_ Mais do que isso, era completamente doido. Quando a gente começou a namorar, eu era bem novinha e fiquei encantada com as loucuras que ele aprontava. Filho único, seu pai era dono deste hotel, com muito dinheiro. O velho tinha o maior desgosto, já que o filho não assumia responsabilidade alguma. Só queria saber de farras e festas, onde a bebida e maconha rolavam soltas.
Apesar disso tudo, Noemy, definiu-me seu primeiro amor com boas expressões da época: _ Era um pão, um verdadeiro pedaço de mau caminho!
_ Como nossos parentes não queriam nosso casamento, optamos por fugir. Ele pegou um tanto de dinheiro e a mercedes novinha do pai e lá fomos nós, estrada afora, rumo à São Tomé das Letras. Pelo meio da noite, paramos para descansar e ali, ele esvaziou uma garrafa de gin e fumou vários cigarros de maconha. Quando amanheceu, lá estava eu, desesperada e ele em estado letárgico... até que a polícia mineira chegou e levou-nos para a delegacia.
Acabaram por se casar, mas os pais não compareceram à Igreja. O sogro dela consentiu em deixá-los morar no hotel, em um pequeno apartamento, todo arrebentado, ao lado da cozinha. No mesmo dia do casamento, enquanto realizava-se a cerimônia religiosa, o velho resolveu trocar algumas telhas do apartamento. Quando os noivos e alguns amigos retornaram ao hotel, encontraram aquela balbúrdia...
_ Meu sogro escorregou do telhado, caiu e quebrou o pescoço. Morreu na hora e nossa lua de mel foi no velório. Assumimos o controle do Hotel, tivemos nossas filhas, vivemos relativamente felizes por oito anos, até que aconteceu o episódio da linguiça.
Muitos anos depois, conheci o Ariel, numa reunião esotérica, e estamos juntos até hoje. Sou vinte anos mais velha do que ele, mas nos amamos demais!
Mais tarde, ela apresentou-me ao Ariel, um rapaz bem alto, com cabelos lisos e compridos. Usava umas roupas esquisitas, com tiras de couro cru, penduradas no peito. Toda romântica ela perguntou-me: _ Ele não é lindo? Parece até Jesus cristo...
Olhando para aquele tipo diferente, eu pensei: "Tá mais pra índio comanche..." Em tom de brincadeira, cochichei para ela: _Esse daí nunca foi ao açougue?
Com uma gostosa gargalhada ela respondeu, orgulhosa: _ Que nada! Ele é vegetariano, só come da minha horta...
Falando em horta, vou ensinar como se faz um cabrito assado:
PERNA DE CABRITO ASSADA: 1 pernil de cabrito novo, com ossos; 1 cebola grande; 2 ramos de alecrim; 3 folhas de louro; salsa e cebolinha desidratadas; 8 dentes de alho; 1copo de azeite de oliva, 1 copo de água; meia garrafa de vinho branco seco; 1 limão grande; 1 vidro de molho inglês; bacon cortado em cubinhos; 3 colheres de manteiga; sal e pimenta do reino.
MODO DE FAZER: Com uma faca larga, faça talhos profunfos em todo o pernil. Esfregue por toda a carne, o sal e a pimenta. Bata no liquidificador, o suco do limão, a cebola, os dentes de alho, o louro, a água, o molho inglês, a salsa e a cebolinha. Joque ese tempero batido sobre o pernil. Enfie em cada buraco feito com a faca, um cubo do bacom. Por último, besunte com o azeite e o vinho. Leve ao fogo a manteiga e os raminhos de alecrim e dê uma rápida fritada. Despeje no cabrito e enrole a carne em papel alumínio. Assar por umas duas horas e meia. A cada meia hora, descubra o assado regue-o com o molho que se forma na assadeira.
Sirva com batatas e brócolis, cozidos e ligeiramente dourados em manteiga.

Quando trabalhei em Brasilia, ainda na época da ditadura militar, tinha uma colega cearense chamada Maria




Conheci o padre Paco pouco antes dele "largar a batina". Aliás, nem usava batinas...
Era natural da catalunha, numa região denominada Costa Brava, ao nordeste da espanha. Passou toda a infância miserável, com seus pais e mais nove irmãos, a limpar mariscos e todas as espécies de moluscos e peixes do mar. Posteriormente eram levados em grandes cestos e vendidos nos mercados ou feiras das cidades próximas. Ele dizia que o mau cheiro era tamanho que por toda sua vida carregou "aquele odor obsceno" nas narinas.
Já na adolescência, pegou amizade com o pároco da aldeia onde moravam o qual, interessado na vivacidade do rapagote, ajeitou-lhe uma vaga em um seminário de Barcelona. Foi a forma que encontrou para estudar, alimentar-se e fugir daquela vidalazarenta que levava.
Eu achava estranho aquilo, pois meu irmão é completamente ateu e como iniciou-se essa amizade eu não sei. Mas, em todas as festas e almoços, com a nossa parentela, o padre estava junto e ele era bem divertido. Sabia cozinhar também e adorava uma vodka bem gelada que, segundo ele, não deixava bafo.
Não demorou muito e ele deixou o sacerdócio para unir-se a uma de suas fiéis paroquianas, que cuidava dos eventos e reuniões da turma da "Renovação Carismática". Nunca mais vi o ex-clérigo. Há pouco tempo meu irmão contou-me que ele faleceu e a viúva nem vestiu luto... Foi vitimado por um incárdio no miofarto (síncope cardíaca decorrente de esforços repetitivos após a ceia), ao lado de uma desconhecida, em pleno Motel.







Lá em casa, a Páscoa era a data mais festejada do ano. Além da ressurreição de Cristo, também comemorávamos o aniversário de meu pai. Ele nascera em 1916, num longínquo domingo de Páscoa e por isso, recebeu o nome de Paschoal. Não importava em qual dia do mês de março, desde que fosse no domingo da Páscoa, os amigos e familiares apareciam para o almoço festivo, aquela coisa de italianos, com mesa farta, muito vinho e assados de todo tipo.
Durante a noite, com uma lamparina acesa, tentou verificar se os piolhos haviam morrido mas ao aproximar demais o pavio de suas virilhas o fogo passou para seu corpo, chamuscando tudo quanto tinha de pelos e penugens. Ficou vários dias de quarentena com as pernas abertas, penduradas e cobertas apenas com um fino lençol.
CARNEIRO À CAÇADORA :
LEITOA À PURURUCA: a leitoa não deve ser grande e nem muito gorda (uns 7 a 8 quilos) e temperada de véspera, da seguinte maneira: perfure a carne em vários pontos (sem cortar a pele), esfregue sal, pimenta-do-reino e alho espremido por toda a leitoa, principalmente nas partes do couro. No liquidificador, bata uma vinha d'alhos com duas cebolas grandes uma cabeça inteira de alho, uns raminhos de alecrim, 3 folhas de louro (ou louro em pó), 5 colheres de molho inglês, 1 copo de água, 1 copo de vinho seco (branco ou tinto), azeite de oliva e pimenta a gosto. Em uma vasilha larga e rasa (não pode ser de alumínio) coloque a leitoa com o couro para cima (a pele não pode ficar molhada) e deixe tomar tempero. No dia seguinte, leve-a para assar em forno alto e pré-aquecido. Não é necessário cobrí-la, desligue o forno somente quando a pele ficar com uma cor de caramelo escuro e crocante. Sirva com limão, farofa (receita do dia 13 de junho), arroz branco, tutu de feijão e couve refogada. O segredo é não deixar a pele da leitoa em contado com a vinha d'alhos.
