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quinta-feira, 15 de abril de 2010

A MARIA DO CARMO

Quando trabalhei em Brasilia, ainda na época da ditadura militar, tinha uma colega cearense chamada Maria do Carmo que namorava um dos chefões do Serviço de Censura, Coronel "Não Sei das Quantas".

A Do Carmo já era bem coroa e feia como o capeta, além de mancar da perna direita. O que tinha de feia, tinha de brava e ... coitado daquele que se tornava seu inimigo!

Certo dia ela convidou-me para um jantar em sua casa (em Brasília tinha muito disso), cujo prato seria o famoso "Baião de Dois", comida típica do Nordeste, feito por Severina, sua cozinheira. O tal do coronel da censura iria também (diga-se de passagem que a Do Carmo ganhava, em primeira mão um exemplar de todos os discos que seriam ou não lançados, após o crivo da Censura).

Cheguei mais cedo para ouvir alguns dos "discos proibidos" e pude acompanhar a cozinheira na confecção do prato, anotando tudo, passo a passo.

A Do Carmo não tinha filhos e sua grande paixão era uma cadelinha (tão velhinha quanto a dona) chamada Champagne que soltava pelos e puns, pela casa toda. Estávamos sentados num sofá daqueles bem fundos e gordos, quando o "Coronel Censura" chegou. Ao levantar-me para cumprimentar o homem, pisei, com toda a força, sobre o quadril esquerdo da cadela e foi aquele escândalo: cadela latindo, Do Carmo gritando, coronel tossindo e eu gemendo pela mordida que levei.

Ligamos para a médica de Champagne e fomos (eu e a Do Carmo) até a Clínica, aberta somente para atender a bichinha.

Resultado: saímos de lá depois da duas da matina com a cadela enfaixada da cintura para baixo (cachorro tem cintura?!) e a Do Carmo chorando e brava comigo pois, devido à idade avançada (da Champagne), a médica veterinária achava que os ossos não mais se soldariam.

Paguei a consulta caríssima e fiquei sem comer o "Baião de Dois" da Severina . O osso soldou-se mas desde então, a cadelinha também ficou coxa do lado esquerdo e _ diziam as pessoas maldosas _ que nas caminhadas que as duas faziam pela quadra, enquanto a Do Carmo mancava do lado direito, Champagne puxava do esquerdo. Na cadência dos passos, minha ex-amiga dizia à mascote: "Deixa que eu chuto essa, Champagne!"

A colega nunca mais conversou comigo, até o dia de sua morte. Adefuntou-se por síncope cardíaca, após tomar um copo d'água gelada. Diz a lenda que quando o copo caiu ao chão, a cadela deu um longo uivo.

Depois disso, já fiz o tal prato várias vezes. É excelente, apesar de fazer-me lembrar daquela noite desastrosa. Vale a pena vocês experimentarem, portanto, anotem aí o famoso:

Baião de Dois da "do Carmo" 1 Kg de feijão-de-corda (na falta deste, experimente o feijão fradinho ou guandu); 1 kg de arroz; 1 kg de carne seca; 1 kg de carne de vaca (coxão mole ou músculo); 800 gramas de linguiça toscana ou calabresa; pimenta a gosto; cebola e cheiro verde picadinhos e 1 pimentão vermelho cortado em retalhos.

Cozinhe o feijão por 30 minutos, mais ou menos. Em outra panela, cozinhe a carne seca já dessalgada (para dessalgar,deixe-a de molho na água de um dia para o outro) juntamente com a carne de vaca, ambas cortadas em cubos pequenos, por 40 minutos. Afervente a linguiça, tire a casca e corte-a em cubos pequenos. Escorra bem todos os ingredientes. Numa panela grande, frite a cebola, o pimentão e o cheiro verde, juntando as carnes picadas, fritando mais um pouco. Em seguida, coloque o arroz lavado e escorrido. Junte o feijão já semi cozido (com tempero normal) com todo o caldo. Acrescente mais água fervente suficiente para cozinhar tudo. Prove o sal e deixe cozinhar em fogo baixo, de modo que fique um pouco úmido. Se necessário, coloque por debaixo da panela um "Chapex" para o Baião não grudar no fundo. É delicioso!

3 comentários:

  1. Caríssimo confrade e amigo João!

    Ché, será que você contou nesta crônica a história tim tim por tim tim?!...
    Meu telefone portátil vibrou!!!... Preciso dizer quem era?!... Claro que era a Dona Miquelina (huhum)!!!...
    Quando a copeira Hermenegilda entregou-lhe um cópia da sua imperdível crônica, ela ligou-me a seguir... Ela disse-me que tem uma prima, a Lucrécia, casado com um general, que também moram em Brasília e a Lucrécia era amicíssima da Maria do Carmo!!!... A Dona Miquelina disse-me que você contou esta história parcialmente, porque na verdade você teve um tórrido "affair" com a Maria do Carmo, sob os olhares complacentes do Coronel Censura, que apreciava sobremaneira ser voyeur... Ela disse para você contar direitinho porque pisou no quadril da cadela Champagne!!!!...
    Já descobri o motivo das minhas crise hipertensivas... É porque fico exaurido em servir de aparelho para a minha amiga Dona Miquelina!!!!... Nunca vi língua de fogo igual a dela, porque parece que ela tem parentes até em Murmansk e também parece que tem o olho de Deus, porque tudo vê, tudo sabe!!!!...
    Folguedos a parte, parabéns pela supimpa crônica!!!....
    João Paulo de Oliveira
    Diadema-SP

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  2. João,

    Muito boa a sua crônica; fica-se imaginando o balanço do caminhar de Do Carmo, mancando de um lado e a cadela Champagne mancando de outro.

    Um abraço,
    Pedro.

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  3. Oi, Pedro!
    Maldade do povo... Diziam que quando as duas caminhavam, a Do Carmo falava pra cadela: "Deixa que eu chuto, Champagne!"
    Abraços
    Sou fã incondicional de teu Blog. Parabéns!
    João

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