Meu pai e meus irmãos sempre "mexeram com vacas". Vacas leiteiras, bois de corte, touros reprodutores, bezerros para engorda e por ai a fora... Passei minha infância e adolescência sentindo aquele cheiro de curral: misto de leite, feno e bosta fresca de vacas. Até que era um cheirinho honesto e aconchegante!
Sinto saudade de quando meu pai ou algum dos irmãos mais velhos me acordava, tipo quatro ou cinco horas da manhã para acompanhá-los até ao sítio. Iam buscar os latões cheios de leite e trazê-los de volta à cidade para serem entregues na LECO, companhia de laticínio da região. Eles carregavam-me consigo, um tanto para fazer companhia e mais para abrir as porteiras que eram inúmeras
Parece-me que naquele tempo o inverno era mais intenso e com mais neblina. Chegava ao curral, morrendo de frio e corria com minha canequinha de alumínio para que o retireiro a enchesse com o leite que saia das tetas, quentinho que até soltava fumaça...
O local onde as vacas leiteiras ficavam chamava-se estábulo ou retiro e o empregado encarregado da ordenha era o retireiro. Tivemos vários retireiros, pois era uma profissão dura e poucos aguentavam o tranco por muito tempo. Lembro-me de um deles, chamado Francisco e apelidado pelos meus irmãos de "Chico Belo". Nada a ver com beleza, pois o homem era feio pra caráio e foi justamente por ser feio que meus irmãos, maldosamente, assim o apelidaram.
O Belo era muito briguento e por ser magrinho, vivia apanhando de todo mundo nos forrós que frequentava. Voltava para casa completamente bêbado e machucado, guiando sua carrocinha de dois assentos. Aliás, de tão zonzo, ele não guiava nada e quem se encarregava de levá-lo até à porteira do sítio era o coitado do burro. De tanto trotar por aqueles caminhos, o animal já estava condicionado ao trajeto.
Chegando em casa, descarregava toda a valentia na pobre da mulher, que apanhava mais que cabrita na horta. Dizem que ele costumava bater nela com o gato: pegava o bichano pelo rabo ou pelo cangote e socava-o nas costas e pescoço da esposa. A coitadinha ficava toda arranhada e mordida pelo gato endoidecido.
Vizinho ao sítio, morava uma família meio cigana. O marido usava um chapéu todo enfeitado com fitas e sempre trazia ao pescoço um longo lenço vermelho. Sua figura era reconhecida ao longe tanto pelo lenço berrante, como por sua montaria, uma égua preta, alta e nervosa. O homem, apelidado de Tião Sartana era meio arredio e de pouca prosa.
Não é que o Chico Belo foi se engraçar com a mulher do cigano! Era só o marido sair de casa que para lá ia o retireiro.
Quando meu irmão ficou sabendo do perigoso affair, resolveu pregar uma peça no empregado. Primeiro, alertou-o de que o Sartana ficara sabendo da traição e que tinha jurado vingança.
No domingo seguinte, enquanto o Belo curtia a bebedeira da véspera, deitado na varanda do seu rancho, um bando de cavaleiros invadiu o sítio, gritando e dando tiros para o ar. Na frente da turma, vinha meu irmão, montado num cavalo preto e com um chapéu e lenço idênticos aos usados pelo cigano.
A mulher do retireiro sabia da farsa e conforme o combinado, começou a gritar desesperada: _Chico, corre que aí vem o Tião Sartana !
O coitado, sem saber o que fazer, subiu no telhado e foi esconder-se dentro da caixa d'água. Puxou a pesada tampa de amianto e ficou ali, quietinho, com água pela boca. De vez em quando, meu irmão dava um tiro para o ar, em meio à gritaria dos comparsas. Por mais de uma hora o safado ficou tiritando de frio, com medo de descer.
Só saiu depois que ouviu o tropel de cascos, batendo em retirada. Por longo tempo, deixou de frequentar bailes e botecos, evitando, assim, confrontar-se com o inocente cigano.
Por conta do leite, vou ensinar, hoje, como minha mãe fazia seus deliciosos queijos frescos.
QUEIJO FRESCO: 4 a 5 litros de leite (de preferência natural, caso impossível usar o integral não pasteurizado, mais gordo do supermercado). Uma tampa medida de coalho dissolvido em meio copo de água filtrada (o melhor é da marca Estrela), 1 colher rasa (de sopa) de sal. Amornar o leite (bem pouco, mais ou menos 37 graus). Misturar o coalho e o sal, mexer bastante para agregar os componentes. Deixar descansando por mais ou menos 30 minutos, até coagular. Com uma faca comprida, talhar toda a massa na vertival e na horizontal (fazendo um xadrez), pois assim, a massa separa-se do soro (líquido). Aguardar uns 10 minutos e coar toda a massa numa peneira (de plástico) ou em um pano bem fino e poroso. Deixar escorrendo por uma meia hora.
Colocar a massa em uma forma toda furada (eu uso um aro daqueles tubos hidráulicos, de plástico, todo furado nas laterais). Espremer bem a massa com as mãos, dos dois lados, para o queijo ficar lisinho, sem buracos. Coloque numa tábua de bater carne, um pouco inclinada para continuar escorrendo, de um dia para o outro. Desenforme e guarde na geladeira.
Dicas: A) Todos os utensílios devem ser extremamente higienizados. B) É importante que escorra todo o soro amarelado para não azedar o queijo. C) Se quiser um pouco mais salgado, no momento em que estiver espremendo a massa na forma, esfregue sal nas duas superfícies. D) Talvez não seja da primeira vez que o queijo ficará perfeito mas, com a prática chegar-se-á à perfeição.
João,você dividiu o seu blog?Porque havia mais contos os antigos mesmo de antes do livro eu não encontro aquelas velhas histórias e eu não tinha lido tudo e agora que comprei a tinta da impressôra uai...Bem feito acho que ficar de molho na caixa dagua fêz o cachaceiro ficar curado (como queijo) da marvada!Odeio homem que bate em mulher depois que vem de bar...E o burro de burro não tem nada como que pode um bicho saber aonde eles moram?
ResponderExcluirCaro amigo João!
ResponderExcluirCoitado do "Chico Belo" foi fazer o bem para a mulher do cigano e olha o que levou!!!!... Vai ver o "Tião Sartana" não conseguia fazer a mulher ter orgasmos e o "Chico Belo" a fazia ter orgasmos reiterados...
Caloroso abraço! Saudações solidárias!
Até breve...
João Paulo de Oliveira
Diadema-SP
Caros amigos JB e JP..
ResponderExcluirDepois desse aguaceiro todo, acho que o Chico Belo nunca mais provou água ardente e muito menos foi beber na botija do cigano.
Bem feito!!! Teve o que mereceu..
Saiu da cx d'gua pior que gato escaldado..
Professor, diziam que ele era bem dotado!E por falar nisso, lembrei-me de outra passagem bem divertida desse retireiro. Acho que a história terá continuação rsrsrs
ResponderExcluirCris, o fdp bebeu até morrer!
ResponderExcluirJoão
Thais, pior que bater em mulher é bater na mulher com o gato. Sofria a coitada e sofria o gato tb.
ResponderExcluirJoão
Caro amigo João!
ResponderExcluirAguardarei na primeira fila a continuação da história do "Chico Belo"!!!!... Bem que desconfiei que ele era bem dotado, porque a lambisgóia da Agrado ficou toda assanhada quando soube um viés da vida do retireiro!!!...
Caloroso abraço!!!... Saudações brejeiras!!!!...
Até breve...
João Paulo de Oliveira
Diadema-SP